SHEMA ISRAEL

Sinagoga Morumbi

Yeshiva Boys Choir -- Kol Hamispalel

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O Shabat e o Tempo

Dentre os muitos valores que poderiam nos motivar a continuar celebrando o Shabat ou começar a fazê-lo, a parashá da semana faz com que nos encontremos com aquele que talvez seja ao mesmo tempo o mais popular e o menos consciente deles. O mais interno e primário e, ao mesmo tempo, talvez o menos comentado em marcos intelectuais e rabínicos. Trata-se do valor nacional e tradicional do Shabat.



O Shabat tem antes de tudo um valor cósmico e religioso, pois segundo a primeira das fontes que o lembram, Gênesis 2:1-3, Shabat é o dia em que o cosmos parou − e junto com ele, o próprio Deus. Os céus e a terra foram concluídos previamente em toda a sua plenitude; em lembrança a esse evento histórico, o Shabat foi consagrado por Deus e o cosmos inteiro descansa nele.



Segundo os Dez Mandamentos, o Shabat é o dia de descanso não apenas de Deus e do cosmos, mas de cada parte individual da natureza. É o dia da igualdade social, no qual nem servos nem empregados deveriam trabalhar, pois para eles este também é o dia do encontro familiar, no qual “não trabalharás tu, nem teu filho, nem tua filha, nem teu servo, nem teu animal”. Harmonia familiar, harmonia natural, harmonia social são valores do Shabat que os Dez Mandamentos acrescentaram ao Relato da Criação.



Nesta parashá o livro do Êxodo nos traz mais um valor: o povo. O texto que cantamos no Shabat traz o Shabat na sinagoga: Veshamru benê Israel et haShabat... ledorotam brit olam: os filhos de Israel cuidarão do Shabat... através das gerações como um pacto eterno. Cuidamos do Shabat e desse modo nos vinculamos com todas as gerações do povo de Israel ao longo do tempo. Uma vez que fazemos o mesmo que os judeus fizeram por gerações, também nós nos unimos a eles através da prática do Shabat. Assim, o Shabat nos reúne com tempos passados, com pessoas que já não estão fisicamente conosco, inclusive com pessoas que não conhecemos, de tempos imemoriais. O Shabat também nos presenteia deste modo com a oportunidade de nos vincularmos às gerações que virão após a nossa morte, ao motivá-los a incorporar o Shabat entre seus valores e práticas e assim serem incorporados no pacto eterno das gerações de Israel. O Shabat nos permite uma viagem no tempo.



O meio de transporte é o Shabat, mas o meio pelo qual se movimenta esse meio de transporte são as gerações, as pessoas, o povo. É a união e a identificação das gerações umas com as outras que permite a nossa transportabilidade através do mar do tempo.



Um rabino contemporâneo explicava no congresso da WUPJ que uma vez que a realidade em nossos tempos é “líquida” - uma vez que não existe mais a solidez de verdades, princípios, formas e valores de tempos passados, pois tudo muda rapidamente - o conhecimento, as leis e, portanto, o que parece verdade, a sustentabilidade nesse meio encontra-se na reunião das pessoas, na identificação das gerações umas com as outras, nas tradições que conseguem nos unir, mesmo como desafios e perguntas sobre o que e como conservá-las.



O Prêmio Nobel de Literatura Albert Camus, que nasceu numa família analfabeta, conta em suas memórias que sofria com a ausência de dimensão histórica - que lhe dava a falta de cultura - quase tanto quanto com a falta de alimento. Sentia-se solto, perdido no tempo e, portanto, sem tempo e sem vínculos, sem passado e sem futuro, numa vida que parecia não ter mais significado do que a de um animalzinho que apenas procura seu sustento, dorme, reproduz-se e morre. A memória, o pertencimento a uma nação nos brinda com a dimensão do transcendental. As gerações nos sustentam e nos seguram através de suas tradições e práticas.



Talvez tenha sido essa a razão pela qual foi sugerido que não apenas os filhos de Israel cuidaram do Shabat, mas foi o Shabat que mais cuidou deles. Para muitas vítimas da Shoá esse cuidado exercido pelo Shabat foi muito mais básico e profundo. Através dos valores de família, harmonia total e transcendência espiritual do Shabat, através da pratica que manda se estar feliz no Shabat, o Shabat os manteve humanos e vivos em meio à barbárie.

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